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ADAPTAÇÕES LITERATURA EM CENA

 

 

LITERATURA EM CENA 2010- 4º ANO DE LETRAS

 “O REI DA VELA” DE OSWALD DE ANDRADE- ADAPTAÇÃO

 

Personagens:

Abelardo I- roupa social

Abelardo II- 1º ato: vestido como  um domador de feras, chicote, monóculo, bigode; 3º ato: roupa social, no estilo do Abelardo I.

Cliente principal- roupas simples.

Clientes- várias pessoas diferentes, todas vestidas como pobres e trabalhadores.

Secretária- vestido provocante

Heloísa- 1º ato: vestida como homem; 2ºato: maiô; 3º ato: vestido simples

Joana (João dos Divãs)- 2ºato: maiô; 3º ato: vestido simples

Totó Fruta- do-Conde- 2º ato- maiô ou sunga; 3º ato- roupa social.

D. Cesarina- 2ºato: maiô de pernas e mangas cumpridas; 3º ato: vestido simples, comprido.   

D. Poloca- 2ºato: maiô de pernas e mangas cumpridas; 3º ato: vestido simples

Americano- 1º ato:social, terno e gravata; 2º ato: roupa de banho; 3º ato: social

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1º ATO- Escritório. Quadro da Gioconda (Mona Lisa), divã, telefone, castiçal, mostruário de velas de todos os tamanhos e cores, porta de grades- entrada para uma jaula. Armário com duas repartições, em uma, gavetas: MALANDROS, IMPONTUAIS, PRONTOS e PROTESTADOS; em outra repartição: PENHORAS, LIQUIDAÇÕES, SUICÍDIOS e TANGAS.

 

Abelardo I sentado com o cliente. Chega Abelardo II:

Abelardo II - Pronto seu Abelardo. Trouxe o dossiê desse homem. Manoel Pitanga de Moraes. Estava nos IMPONTUAIS. (sai da sala)

Abelardo I-  Por  que ainda não nos pagou o que deve? O que significa este atraso?

Cliente- Olha seu Abelardo, é que quando eu fiz o primeiro empréstimo minha mulher teve uma menininha, e eu estava trabalhando na Estrada de Ferro...

Abelardo I- Se trabalhava por que não nos pagou da primeira vez?

Cliente- É que o pagamento demorou, minha esposa adoeceu, então procurei o senhor novamente.

Abelardo I- Mas já fazem dois meses que não paga as parcelas!

Cliente- Senhor Abelardo, eu quero liquidar a dívida sem ser penhorado...

Abelardo I- Liquidar? Oras! Esta empresa vive de juros!

Cliente- Mas vamos entrar em um acordo.

Abelardo I- Acordo? Seu impontual!

Cliente- Impontual? Mas eu fui pontual durante dois anos e meio. Eu devia um conto de réis. Só de juros já lhe paguei mais de dois contos e quinhentos. E até agora não me utilizei da lei contra a usura!

Abelardo I- Saia já deste escritório!

Cliente- Mas o senhor me conhece, sou incapaz de recorrer a esta lei! Sou um homem simples, humilde, trabalho para sustentar minha esposa adoentada e minha filhinha.

Abelardo I- Fora daqui! Ou mando que o executem hoje mesmo! Saia ou chamo a polícia!

Cliente- Eu quero lhe pagar, mas não tenho dinheiro nem para comprar sapatos para minha filha!

Abelardo I- Abelardo! Tire-o daqui e mande executa-lo! (o cliente sai da sala)

Abelardo I- Não faça entrar mais ninguém hoje Abelardo.

Abelardo II- A jaula está cheia seu Abelardo.

Abelardo I- Todos os clientes são iguais, reclamam e choram de barriga cheia. A família pode destruir o capital de um homem; a família e a propriedade são duas garotas que frequentam a mesma garçonnière, isso é quando o pão sobra, mas quando o pão falta uma sai pela porta e a outra voa pela janela.

Abelardo II- Acho a dona Heloísa um anjo!

Abelardo I- É, não tive outra opção. Eu não podia me casar com a Joana, irmã mais nova dela, chamada de “garota da crise” e também de “João dos Divãs”. E nem me casaria com o irmão mais novo que todo mundo conhece por “Totó Fruta do Conde”. Heloísa é a pessoa mais descente de uma das famílias fundamentais do Império.

Abelardo II- Vamos trabalhar... (pega uma ficha e lê) Barão da Gama Lima, quinhentos mil réis...

Abelardo I- Pro protesto.

Abelardo II- Moura Mello, setecentos mil réis...

Abelardo I- Pro protesto.

Abelardo II- Abraão Calimério, dez contos.

Abelardo I- Pro protesto.

Abelardo II- Carlos Peres, não pediu reforma, já foi pro pau ontem.

Abelardo I- E por que ele não pediu reforma?

Abelardo II- Tomou dois copos de limonada com iodo, está em estado de coma no hospital, saiu até no jornal!

Abelardo I- Então mande o Benvindo fazer a penhora logo, antes que ele morra e a venda feche...

O telefone toca e Abelardo I atende:

Abelardo I- Alô? (Abelardo é o advogado). O quê? O senhor Teodoro quer se prevalecer da lei da usura? Linche ele! Ponha flite nele e acenda um fósforo! (bate o telefone). Pro pau esse bandido... Mas que barulheira na jaula! Abra a jaula Abelardo!

Abelardo II abre a jaula e diversas pessoas saem de lá pedindo reforma da dívida e reclamando a situação financeira.

Abelardo I- Feche a jaula! Não atendo mais ninguém! Abelardo II estala o chicote e todos saem.

Abelardo II- Esqueci de te dizer, o padre ligou novamente.

Abelardo I- Mas o que é que esse homem quer comigo? Não sou eleitor, ele não quer dinheiro...

Abelardo II- Ele quer a sua alma, antes que ela seja condenada ao purgatório.

Abelardo I- Seu Abelardo, você é socialista?

Abelardo II- Sim, sou.

Abelardo I- E o que é que você realmente quer?

Abelardo II- Sucede-lo nesta mesa.

Abelardo I- É, o socialismo em países atrasados começa assim, com um acordo na propriedade.

Abelardo II- De fato, estamos em um país semicolonial.

Abelardo I- Chame a secretária nº 3, quero ditar  uma carta.

Abelardo II sai e a secretária entra. Os dois se olham.

Secretária- O senhor sabe que sou uma mulher de respeito, e já sou noiva!

Abelardo I- Eu também sou noivo. Que problema tem nisso?

Heloísa entra vestida de homem e a secretária sai dizendo ao Abelardo I:

Secretária – Garanhão!

Abelardo I- Heloísa, você meu amor, na hora do expediente?

Heloísa- Nosso casamento é um negócio Abelardo. Tem tanta gente aí fora, clamando por um acordo.

Abelardo I- É com os juros desse monte de selvagens, dessa gente miserável que eu vou poder comprar uma ilha pra você meu bem.

Heloísa- Mas uma ilha brasileira...

Abelardo I- Vai ser ótima, cheia de trabalhadores para nos servir.

Heloísa- E esse quadro?(mostra o quadro da Gioconda) Por que você o tem no seu escritório?

Abelardo I- Este foi o primeiro sorriso burguês.

Heloísa- É, me casarei com o Rei da Vela! Por falar nisso, como você se tornou o Rei da Vela Abelardo?

Abelardo I- Me aproveitei de diversas situações para enriquecer. Quando a crise se iniciou, as empresas elétricas fecharam. Então eu fabriquei velas de todas as cores, formas e tamanhos. (indica o mostruário de velas) Hoje sou o Rei da Vela com muita honra!

Abelardo II entra e Heloísa sai.

Abelardo II- Aquele americano pra quem você deve chegou.

Abelardo I- Entre Mister Jones.

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2º ATO-  Em uma ilha tropical, todos de roupa de banho. Heloísa anda de mãos dadas com o americano e sai. Depois Totó Fruta do Conde anda triste pelo palco e sai. Abelardo I e dona Cesarina entram em cena. Ouvem um barulho de corneta.

 

D. Cesarina- Coitado do meu filho, está tão triste.

Abelardo I- É, o Totó está de asa partida.

D. Cesarina- Ele e o Godofredo tinham uma amizade tão bonita pra se quebrar assim! Eram como dois irmãos, viviam no mesmo quarto. É por essas e outras que eu não gosto de me iludir. Você me faz cada galanteios...

Abelardo I- Ah minha futura sogra! Mas olha como se veste; com esse maiô de jararaca! Não há santo que resista a essa senhora super atraente!

D.Cesarina- Pare de me galantear.

Abelardo I- Mas como posso resistir...

Totó chega com uma vara de pescar e um saco de bombons.

Totó- Ai! Eu sou uma fracassada!

D. Cesarina- Meu filhinho, não diga isso, vem cá na mamãe!

Totó- Não! Me deixe! Vou pescar, vou dar bombons aos bagres. (Totó sai)

D. Cesarina- Coitado do meu filhinho! Depois que brigou com o Godofredo está outro! Mas me diga Abelardo, você não sente ciúmes de ver aquele americano com a Heloísa?

Abelardo I- Ciúmes? A senhora quer que eu perca tempo tendo ciúmes? Que coisa ridícula!

Dona Poloca entra em cena.

D. Poloca- Que lindo casal!

D. Cesarina- Com licença. (sai)

D. Poloca- Dando em cima da sogra hein?

Abelardo I- Que isso dona Poloca, só tenho olhos pra você!

Heloísa e Joana entram.

Heloísa- Ontem era a mamãe, hoje é a tia Poloca! Quantos chifres você me põe por hora Abelardo?

Abelardo I- Que isso meu amor! É em família, não conta! (rindo)

Heloísa- Contanto que você não me traia com o Totó!

Joana-  Pode esperar por isso Heloísa, pois o Totó já me roubou muitos namorados. Uma vez ele tava assim de asa partida, tinha brigado com o Godofredo também, tava todo chocho, triste, mas mesmo assim me tomou o Miguelão. Bandido!

Abelardo I- E o americano?

Joana-  Ah, aquele lá gosta do chofer.

Abelardo I- Por falar nisso, onde o americano está?

Joana-  Deve ter caído dentro de um copo de uísque.

Abelardo I –Vou salvá-lo. Até já. (sai)

D. Poloca- Heloísa, no meu tempo as moças escolhiam seus maridos, não se casavam com qualquer aventureiro como esse daí.

Joana-  É por isso que a senhora é virgem até hoje.

Heloísa- Com sessenta e três anos!

Joana-  Já fez sessenta e nove!

D. Poloca- Menina! Eu vou chamar seu pai! Vai ver alguma coisa inocente, talvez o álbum da família que eu trouxe, quem sabe vendo sua avó na fotografia você cria um pouco de vergonha! No meu tempo as meninas eram recatadas, iam às novenas, rezavam terços. Hoje é o diabo que manda!

Joana-  O diabo da Heloísa é o Rei da Vela tia, o diabo mais encantador do mundo.

Heloísa- O Rei da Vela. Me dá um cigarro tia. (as duas fumam, Joana começa a roer as unhas)

D. Poloca- Para com isso menina. (Abelardo I e o americano chegam)

Abelardo I- O que foi Joana?

Joana-   É a cabeçuda da titia que não me deixa nem ter o vício de roer as unhas.

D. Poloca- Cala a boca! No meu tempo as meninas só falavam depois dos dezoito anos.

Joana-  Uma ova. Eu sou João dos Divãs!

Abelardo I- Mas você gosta mesmo de roer as unhas?

Joana- Claro que sim, olha que maravilha. Um! Mas que delícia! (roendo as unhas, se mostrando a D. Poloca)

D. Poloca- Ela chega a deixar as unhas crescer para ficar roendo.

Joana-  Mister Jones, me acompanha até ali?

Mister Jones- Oh, Yes!

Joana-  Bye bye gente. Vou ver o pico do Imalaia.

Americano- Everest! Everest! Hahahaha.... (saem)

D. Poloca- Menina à toa. Garota da crise. (D. Poloca sai resmungando. Totó passa gritando pelo palco, de mãos vazias)

Totó- Sou uma fracassada! Até os peixes me roubam! Me roubaram as iscas e a vara... Sou uma fracassada...

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3º ATO- Cenário do 2º ato. Abelardo I deitado sobre uma maca. Abelardo I e Heloísa conversam.

 

Abelardo I- Os negócios vão de mal a pior

Heloísa- Mas não me deixe meu amor

Abelardo I- Terás que procurar outro corretor querida. Essa falência vai me desmascarar.

Heloísa- Que horror! Não quero que seja preso.

Abelardo I- Isso não vai acontecer (mostra um revólver na cintura)

Heloísa- E como é que eu fico? Na miséria novamente?

Abelardo I- Não Heloísa, case-se com o ladrão de comédia antiga.

Heloísa- O domador? Aquele homenzinho horrível? Não, eu não quero. Eu vou com você pra onde você for.

Abelardo I- Mas você não pode ir aonde eu vou. (mostra o revólver)

Heloísa- Não faça essa loucura Abelardo! Vamos recomeçar.

Abelardo I- Então afasta de mim esse fósforo. (diz mostrando o revólver)

Voz- Não seria possível recomeçar.

Abelardo I- O  que? Mas o autor não ligaria...

Voz- Mas e a crise? O imperialismo? Com o capital estrangeiro não se brinca.

Abelardo I- Então Heloísa, meu cravo de defunto, dê-me o último beijo.

Apagam-se as luzes. Houve-se som de tiros. Abelardo I com o revólver na mão.Heloísa chorando. Pouca iluminação no palco. O telefone toca.

Abelardo I- Não atenda. É um truque de teatro. O ladrão está ligando para ver se eu já morri.

Surge Abelardo II

Abelardo I- Um suicídio autêntico, Abelardo matou Abelardo. (Abelardo II finge-se surpreso)

Abelardo II- Mas o que aconteceu? Curto circuito?

Abelardo I- Não, foi você que causou a queda de energia, ladrão de primeira viagem. Acenda as velas, assim pouparemos energia.

Abelardo II- Mas porque você fez isso?

Abelardo I- Agora você vai ficar no meu lugar. É assim, o capital do país muda de mãos, mas não de classe. Abelardo toma o lugar de Abelardo. E Heloísa termina com Abelardo, é clássico do teatro.

Abelardo II- Você precisa de um médico.

Heloísa- Mas ele vai morrer!

Abelardo I- A val... a v...

Heloísa- Mas o que ele quer?

Abelardo I- A val...

Abelardo II- O telefone? Não? Um copo de água? Ah, sim, uma vela. É justo, o Rei da Vela morrer com uma vela nas mãos.

Heloísa acende a vela e a coloca nas mãos de Abelardo I, que a segura por alguns instantes e depois a deixa cair, falecendo. Heloísa o deixa na cadeira de rodas e sai acompanhada de Abelardo II. Todos os personagens do 2º ato aparecem em fila; um por um cumprimentam Abelardo II e Heloísa pelo casamento, sem se importar com o corpo no centro do palco. Marcha nupcial. O americano é último a cumprimentar os noivos.

Americano- Oh! Good business!

 

                                                                                                                        Magda da Silva Cunha

 

 

 

 

 

 

                                                 

 

 

 

 

O CORPO- LACORDAIRE VIEIRA

DRAMATIZAÇÃO DE “ DENTE DE OURO”

                                                          

                                                                       I ATO

Chuva, raios e trovões. Uma casa cai. Os primos Jerônimo e Bento Matos passam correndo pelo palco, assustados com a tempestade.

 

JERÔNIMO- Ô primo!

 

BENTO - Que é?

 

JERÔNIMO- Acho que São Pedro ta com raiva de nós!

            Escuta-se o barulho de um trovão, os dois se abraçam. Um porco passa correndo pelo palco. Bento e Jerônimo correm em direção a um árvore.

 

BENTO – Jerônimo abraça a árvore!

 

JERÔMINO -  Pra quê?

 

BENTO- Pra ficar mais protegido!

           

Cai um corisco em cima da árvore, que tomba no chão. Os primos também tombam no chão, imóveis. Fecham-se as cortinas.

 

                                                                       II ATO

            Abrem se as cortinas, sonorização com tema de velório. Na sala há vários personagens; algumas mulheres chorando e rezando (de véu e terço na mão) inclusive a viúva de Jerônimo, crianças brincando, cachorro passeando pela sala e um grupinho de homens, primos dos falecidos. Estes são colocados em caixões na posição vertical, ambos com vestes brancas e lenços cobrindo-lhes a cabeça. Velas sobre os caixões e o rosto pintado de preto.

 

CRIANÇA 1 - Aqui, aqui, joga a bola pra mim!

 

CRIANÇA 2 – Lá vai! (Se prepara para jogar uma bola por cima de um dos caixões e a viúva lhe dá um puxão de orelha)

 

VIÚVA – Mais respeito com seu tio! O coitado está morto e você fica brincando no velório! Desse jeito você vai acertar uma bolada nele, mais respeito!

 

CRIANÇA 2 – Respeito nada, ele prometeu que ia me levar pra passear na cidade hoje e morreu antes de cumprir a promessa!

 

            A viúva desiste do menino e põe-se a chorar. Dois dos primos se aproximam dos caixões, todos embriagados, sem que a viúva perceba, tiram os lenços que cobriam as cabeças dos falecidos e enfiam o bico de uma garrafa na boca deles, como se estivessem lhes dando de beber. A viúva se vira, vê a cena, chora alto gritando por Jerônimo e é retirada para se sentar em uma cadeira por uma das mulheres. Um dos homens olha para o outro e diz:

 

PRIMO 1 – É meu cumpade, agora o sinhô pode ter certeza que os primim torrado aqui vai pro céu.

 

PRIMO 2 – Cumpade, num sei não, se eles vai pro céu ou se vai pro inferno, mas duma coisa o sinhô pode ter certeza.

 

PRIMO 1 – Pois me diga o que é meu irmão.

 

PRIMO 2 – Os dois vai pro além muito mais feliz depois dessa cachaça que nós demos pra eles.    ( risos)

            O Primo 1 se aproxima de Jerônimo e fica reparando seus dentes.

 

PRIMO 2 – Mas que dentes amarelos que o Jerônimo tem! Será que nem depois de velho ele aprendeu a escovar os dentes?

 

PRIMO 1  Não seu  ignorante! É  que são de ouro. O João Batista foi buscá o tiradentes doutor Benevides pra tirar esses dentes do companheiro chamuscado.

 

PRIMO 2 – É a vida né, veio banguela pro mundo e vai embora banguela. Sinto muito meu primo. (diz olhando para Jerônimo)

 

PRIMO 1 – Olha lá o João Batista chegando!

            Recolhem suas garrafas e copos, se afastando dos difuntos. Chega Benevides, portando uma maleta, acompanhado por João Batista que o conduz até o local.

 

JOÃO BATISTA -  É aquele de lá doutor, o meu irmão.

 

BENEVIDES – Boa noite a todos! Mas que chuvinha braba!

           

João Batista tira o lenço que cobria o rosto dos cadáveres. Benevides abre a maleta e tira dela um alicate. Usando as duas mãos, abre a boca de Jerônimo e extrai o primeiro dente, examina-o bem e prossegue. Após ter arrancado quatro dentes e os colocado no vidro, limpa as mãos no forro azul dado a ele pela viúva.

 

JOÃO BATISTA – Tem mais um. É lá mais pra trás. É o último que o senhor pôs no ano passado.

            A viúva lhe oferece um biscoito. Ele pega, morde, arranca o dente, o coloca no vidro,depois o guarda na maleta e se despede;

 

BENEVIDES – Boa noite. (caminha até a porta e diz consigo:) Tem que ter muito azar para ser atingido por um corisco.

            Nesse instante um corisco cai sobre ele e ele cai duro no chão.

 

 

 

 

ADAPTAÇÃO DE “A CONFISSÃO”, DE FLÁVIO CARNEIRO

 

 

 

Cena 1

Será posta no meio do palco uma cadeira e a mulher está  sentada nela,dormindo amordaçada. Flávio surge,  ela acorda e fica assustada. Ele tira-lhe a mordaça.

Mulher-  Onde eu estou? Socorro! Quem é você? Socorro! Saia de perto de mim!

Flávio-   Calma minha senhora. Que bom que já acordou. Me desculpe tê-la abordado de madrugada, ter parado o seu carro, posto uma arma na sua cabeça e depois ter a feito desmaiar com clorofórmio.

A mulher olha a sua volta.

Flávio- Senhora, não repare o lugar onde estamos, mas é que esse cômodo fechado é muito propício para o que vou fazer agora. Calma, o que vou fazer é lhe contar a minha história, e você será a minha ouvinte. Espero que a senhora esteja bem confortável pra me ouvir. É que aconteceu algo extraordinário comigo...

Fundo musical 1 para troca de cenário.

 

Cena 2

Itens do cenário- bancos reunidos como em um metrô. Flávio chega ao palco com um livro em mãos, entra no metrô. Depois, chega Emma e se senta no banco em sua frente, segurando uma sacola com garrafas dentro. Ela desce, ele a procura e entra no ônibus. Enquanto corre a fala do narrador, se ouve um ou dois gritos da senhora.

Narrador- Eu tinha acabado de sair do cinema. Peguei o metrô e sentei-me num banco. Ia começar a ler um romance que havia levado comigo. Ah, não ia nada, às vezes eu carrego um romance de bolso comigo só por carregar, na verdade, nem leio. Por falar nisso, os livros eram minha forma de ganhar dinheiro. Com a venda de livros eu até conseguia dinheiro para pagar o aluguel de um quartinho em que eu morava na época. Eu ia até as bibliotecas e roubava vários romances, depois os vendia. E assim eu ia levando a vida. Sentei-me no banco do metrô. Na minha frente estava uma jovem bonita e muito bem vestida chamada Emma, que carregava duas garrafas de vinho da melhor qualidade. Aquilo me deixou louco, pois eu nunca provei um vinho bom antes. Quando eu era garçom de um restaurante, bebia o resto que os clientes deixavam no copo, mas isso nunca foi tomar vinho de verdade. Eu queria mais, queria um vinho de alta qualidade só para mim, senhora. Eu era tão inexperiente com vinhos, que não tinha paladar para reconhecer as diferenças entre os vinhos, e acho que nunca conseguiria ter, se não fosse um fato que ocorreu... . Sabe senhora, lembro-me de vê-la uma vez em um restaurante muito fino, bebendo uma taça de vinho com tanta classe... Ah, na mesma hora senti uma mistura de tristeza e ódio por não fazer o mesmo. Desculpe ter fugido do assunto de Emma. Deixei passar meu ponto e a segui. A vi entrando num casarão de Estácio, esperei, esperei, com a esperança de vê-la novamente, mas já era tarde. Peguei um ônibus, e voltei para a casa.

 

Cena 3

Troca de cenário. Itens principais- uma cama no canto do palco, uma mesa com um livro no centro e uma mesa de restaurante no outro canto e  um cardápio.Flávio para um frente a um restaurante e olha o cardápio. Emma surge do outro lado do palco e para também em frente ao cardápio.

Narrador- Já te falei senhora, que uma das coisas que eu mais gostava de fazer era ler cardápios de restaurante? Mas só daqueles restaurantes grandiosos, de alta classe, com pratos franceses, que eu nem sabia como eram, mas gostava de ler seu nome no cardápio e imaginar o que seriam. Um dia, eu estava a ler um cardápio de fora de um restaurante , foi quando Emma apareceu.

Flávio- Hei, você sabe me dizer o que é um Gardiane La Camargue?

Emma- Não é assim que se pronuncia, é Gardiane La Camargue, é carne ensopada com azeitonas pretas.

Flávio- Parece bom.

Emma- E é. (Emma lhe vira as costas para entrar no restaurante e ele segura seu braço.)

Flávio- Espere! Posso te oferecer um Gardiane La Camargue?

Os dois se sentam na mesa. Depois vão para a casa de Emma, e bebem vinho na cama.

Narrador- Ela não recusou. Comemos aquela comida tão refinada, paga é lógico por Emma, pois eu não tinha dinheiro nem para tomar um café na padaria. (Fundo musical 2 em tom baixo.) Passeamos pelas ruas, fomos para a praça, e depois fomos ao apartamento dela. Emma me serviu vinho. Algum tempo depois, ela já embriagada como eu, deixou a taça cair quebrando-a em sua mão. A taça rasgou aquela pele fina, macia... .Começaram a sair gotas de sangue, que derramavam como o vinho derramou no lençol branco sobre a cama. Bebi aquele sangue, bebi ele todo como se estivesse bebendo vinho. Começamos a nos amar intensamente.  (Pausa para fundo musical 2 em tom alto). Depois ela dormiu intensamente, linda e nua sobre os lençóis.

Flávio- Vou até a cozinha beber água. (No caminho encontra um livro sobre a mesa, com um envelope dentro). Nossa que livro lindo, que raridade! Deve valer muito. E esse envelope? 500 dólares! Seria certo eu levar 500 dólares da minha mulher amada? Ah, deixa isso pra lá. (Põe o livro sobre a mesa, anda de um lado para o outro e pega o livro novamente.) Ah, mas

se ela tem isso tudo ela é rica, deve ter muito mais. 500 dólares não vão fazer falta para ela. E o livro? O livro não. Deve ser um objeto muito precioso para Emma, de alto valor sentimental. Decidido! Vou levar só o envelope.

A campainha toca, e um homem chama por Emma.

Homem- Emma! Emma! Abre a porta Emma! Anda abre!

Flávio se apavora e foge com o dinheiro e o livro.

Narrador- No dia seguinte, andando pela rua vi em um jornal a notícia de que Emma estava morta. Morreu não se sabe de quê. Voltei ao mesmo restaurante em que havia estado com ela, e pedi um vinho. (o garçom entra, lhe serve o vinho e sai) Logo que toquei meus lábios na taça, senti algo muito estranho. Consegui definir seu sabor, sabia dizer até qual era sua safra, como se eu já tivesse nascido com esse dom, assim como Emma.

Flávio-  Entendi o que  aconteceu comigo, só pode ter sido uma coisa; eu absorvi esse dom de Emma, e também suas memórias. Tenho guardada em minha memória sua infância, sua juventude, seus estudos, as coisas que aprendeu, tudo! Mas o que será isso? Vou descobrir, vou descobrir tudo com os livros.

 

Cena 4

Itens principais- cama de hospital (que depois de usada, deve ser modificada para uma cama comum)e mesa de um lado do palco e uma mesa com cadeiras do outro. Flávio está deitado na cama, se revirando de um lado para o outro. Agnes surge, pega em sua mão, ele se levanta da cama e vão para a mesa.

Narrador- Quis entender o ocorrido, passei a freqüentar a biblioteca municipal, pesquisar livros de biologia, medicina, e até literários de ficção científica. Não me alimentava bem, não dormia bem. Estava obcecado em encontrar uma resposta para minhas dúvidas. Um dia, saindo da biblioteca desmaiei. Acordei em um hospital luxuoso. Estava sendo atendido por uma médica, doutora Agnes. Depois que recebi alta, ela me convidou para ir a sua casa.

Agnes- Me conte, sem medo, o que você estava procurando na biblioteca?

Flávio- Não é questão de medo, é que é uma coisa absurda.

Agnes- Vamos, diga.

Flávio- Vampiros. Você não se assusta com isso?

Agnes- Não. Sempre gostei de histórias de vampiros, desde criança. Na faculdade, encontrei alguém como eu, minha amiga Luísa. Nos tornamos amigas íntimas. Fizemos uma viagem para Roma. Lá, Luísa conheceu um rapaz muito estranho, o nome dele era Bruno. Lembro-me como se fosse ontem, ela ficou apaixonada por ele, ficou muito alegre, risonha, radiante. Numa tarde, ele foi até o hotel em que nós estávamos, os dois ficaram por algumas horas no quarto. De repente, vi ele descendo as escadas com uma expressão estranha no rosto, com um olhar diferente. Corri para o quarto, e vi Luísa, nua, deitada na cama. Estava morta. Obviamente morreu após ter transado com Bruno. O laudo médico dizia que ela tinha morrido de infarto. Mas ela estava com uma cara tão feliz quando eu a vi, que não duvido que tenha morrido satisfeita, talvez tenha tido a melhor morte que uma mulher possa ter.

Flávio- E o Bruno?

Agnes-  Quando eu estava indo embora, ele chegou perto de mim. Estava diferente, com um olhar cheio de ternura, queria me dar um abraço, mas eu recusei. Então ele me entregou um bilhete, no qual estava escrito: Frei Fidelis, Biblioteca Nazionale. Fui pra casa, e estava disposta a decifrar o enigma. Voltei para a Itália, fui até a biblioteca nacional e encontrei o livro de Frei Fidelis. Descobri que ele era um homem que tinha o poder de absorver as memórias e conhecimentos das mulheres que se deitavam com ele. Voltei para o Brasil e continuei pesquisando, e essa pesquisa já se tornou uma obsessão na minha vida.

Flávio- E por que você me ajudou quando eu desmaiei?

Agnes- Porque eu já o tinha visto muitas vezes entrando e saindo da biblioteca, percebi quais eram os livros que estava lendo, vi que estava com a mesma obsessão que eu. Quando você desmaiou com um livro de vampiros nas mãos, então tive certeza; você é um vampiro, assim como Bruno e Frei Fidelis. Então quis te ajudar. Bebe mais.

Flávio-  Eu já esperava por essa explicação para a minha vida, mas estou um pouco assustado.

Agnes- Não se preocupe. Esqueça tudo, vamos para o meu quarto.

Agnes começa a se insinuar para ele.

Flávio- Desculpe, mas tenho que ir.

Flávio sai às pressas e a deixa só. Ao se iniciar a fala do narrador, Agnes se levanta, e o segue até uma cama do outro lado do cenário.

Narrador- Eu estava muito confuso senhora. Emma morreu por ter feito amor comigo, e Agnes sabia disso. Sabia que se deitasse comigo também morreria. E eu pensava; por que ela estava se oferecendo pra mim? Tempos depois, ao chegar em casa encontrei Agnes me esperando no portão. Ela foi para meu quarto, bebemos vinho e transamos. Agnes amanheceu morta, mas com uma grande satisfação expressa em seu rosto. Entendi o que ela queria; ela queria morrer como sua única e melhor amiga morreu. Foi aí que tive a certeza de que era um

vampiro. Ao sair do quarto, peguei jóias e dinheiro que Agnes havia deixado sobre a mesa.

 

Cena -5

As cortinas se fecham, e o narrador continua falando.(Fundo musical 3). As cortinas se abrem, cenário limpo.Várias mulheres, cada uma vestida com um traje diferente, entram de duas a duas, e ficam andando em volta de  Flávio ,fazendo carinho nele. Algumas lhe entregam dinheiro, outras jóias, tentando agradá-lo.por último, uma delas lhe põe uma venda nos olhos.

Narrador- Absorvi toda a memória de Agnes. Tive acesso a todas as suas pesquisas. Viajei pelo mundo. Fiquei com várias mulheres, absorvi, bem, na verdade suguei dessas mulheres, várias culturas, comecei a falar da noite para o dia diferentes idiomas, em questão de poucos minutos eu sabia ser médico, sabia ser escritor, sabia ser jornalista... Sei de tanta coisa senhora! Sei até falar chinês, graças a uma chinesinha, que me deixou as chaves de sua casa. Todas essas mulheres me deixavam algo de precioso, por querer ou sem querer. Viajei por toda a Europa. Voltei ao  Brasil e comecei a sentir saudades dos tempos em que eu era um pobre rapaz comum, percebi que ser diferente só me traz ilusões. Ao mesmo tempo que tenho várias mulheres, não posso ter nenhuma.

 

Cena 6

Cenário- a mulher na cadeira, como no início.

Flávio- A poucos dias, encontrei uma moça muito bonita, fina e elegante com o nome de Inês,que por conhecidência, é sua filha. Que foi senhora? Não se assuste! Aceita um copo de água com açúcar?

A mulher fica desesperada.

Mulher- Socorro! Minha filha! O que você fez com ela? Seu louco!

Flávio- Não adianta gritar, porque aqui ninguém vai te escutar. Mas não se preocupe, eu não fiz nada com a sua filha. Ela queria, e eu estava apaixonado por ela, mas preferi a deixar que ter que matá-la. Sabe senhora, eu preciso me tornar um homem comum como antes. Descobri que o único meio de eu conseguir isso é através do medo. O medo que eu não tenho. O único jeito de eu ter esse medo é tomá-lo da senhora, do meu jeito, mas à força...

Ele vai se aproximando dela, e ela se desespera cada vez mais, as cortinas se fecham.

                                                                                                          Fim.

Adaptação feita por:  Magda da Silva Cunha.